Um cara normal

Ele é um cara normal.
Acorda as 7 e 30 da manhã, todos os dias, depois de duas sonecas.
Vai ao banheiro logo cedo, sempre apertado. A vontade de esvaziar a bexiga chega sempre às 5 da manhã. Ele acorda, olha o celular que diz ainda estar cedo e dorme mais 2 horas e meia com vontade de ir ao banheiro.
Então, ele sai da cama.
Mas não sem antes se espreguiçar, alongar a lombar e checar os emails.
Toma banho, café da manhã e lê as primeiras notícias do dia pelo smartphone. Depois escova os dentes e perde 1 hora no trânsito até chegar no escritório.
Todo dia, fica indignado ao constatar no engarrafamento que na maioria dos carros andam apenas 1 ou 2 pessoas. Seu estômago grita cada vez que vai virar numa rua e o carro da frente não dá seta. Troca de estação de rádio cada vez que entram vinhetas. Fica indignado porque dia sim dia não ouve sobre uma falha ou falcatrua no metro ou trem. Lembra que mais uma vez esqueceu de comprar pasta de dentes e vai ter que pedir pros colegas de trabalho. Enfim, um cara normal.
Ele gosta de chegar no trabalho as 8h 55. Porque às 9 chega a Lú. E entre 9h 10 e 9h 15, chega o Rui. Duas pessoas que ele nunca deixa de abraçar.
A Lú é uma morena alta, bonita. Uns 15 centímetros mais alta que ele. Diferença que não traz problema nenhum, pelo contrário.
O Rui também é um cara alto, 20 centímetros a mais. E não é gordo, é forte.
São as duas pessoas que mais o deixam feliz no trabalho. Não por serem inteligentes, muito menos influentes. O mérito delas é deixarem, mesmo sem perceber, suas axilas tocarem o nariz dele.
Um dos dias mais tensos de sua vida foi quando a Lú recebeu uma proposta de trabalho do concorrente. Assim que teve chance, falou com o chefe sobre a competência da moça e o quanto ela era importante para empresa. Fez o que pode para não ficar sem aquele sovaco. Outro desses dias foi quando ela pegou uma gripe das brabas e não queria chegar perto de ninguém “pra não passar o vírus”.
Quando a Lú ou o Rui entram em férias, ele sempre dá um jeito de cheirar outras axilas colegas. Já inventou crises na coluna para andar curvado e fisgar cheiros de outrem. Já inventou dor de barriga, crise no rim, na vesícula, pêlo encravado, furúnculo e até tatuou o nome da mãe logo acima do púbis pra poder andar curvado.
Nos finais de semana e feriados, não consegue ficar sem um sovaco. Já tentou se saciar com o da mãe e dos parentes, mas cheiros familiares não funcionam pra ele.
Chegou a apelar pro porteiro. O chamou num sábado, no horário do almoço. Usou a desculpa de instalar um quadro. Mas o odor que exalava daquela camisa azul claro surgiu como um bofetão. Nunca mais apelou.
Foi pras ruas. Lá basta ter uns 10 centímetros a mais que ele para virar vítima. Ele fica num ponto certo, só pára quem vem da direita e sempre pergunta onde fica o mesmo lugar. A angulação do braço nesse ponto é perfeita. Tática desenvolvida para apreciar ao máximo os novos odores.
Quando não tem sucesso na rua, apela. Vai pro ponto do ônibus e se posiciona próximo ao apressado que fica o tempo inteiro se esticando pra ver se o coletivo está vindo. Com certeza, esse cidadão vai levantar o braço pro ônibus parar. E nessa hora, ele sabe que vai pra casa saciado.
Claro, ele poderia subir no ônibus e se aproveitar dos que ficam em pé e se seguram no puta-merda. Mas, e o desafio? E a conquista?
Se nada der certo, seu tiro de misericórdia é sentar num bar e ficar fazendo pedidos. Não para se embriagar, mas para encher a cara com o cheiro do sovaco do garçom.
Fora isso e o fato de não saber se o certo é sovaco ou sobaco, ele é um cara normal.


Obrigada pela visita :)